Um conto argentino (título provisório)

PARTE 2


- Alô.
- Oi, dona Inês.
- Beto?
- Tudo bem com a senhora?
- Tudo. E com você, meu filho?
- Também. Posso falar com o Jorge?
- Com o Jorge?
- Ele não está aí?
- Não? Desde sexta que não o vejo. Achei que tinha ido passar o fim de semana na casa da senhora e decidiu ficar por mais uns dias.
- ...
- Dona Inês?
- Será que aconteceu alguma coisa com o Jorginho?
- Claro que não. Você sabe como ele é. Deve estar na casa de alguém.
- Deve ser, né?
- Sim. Bom, logo que ele voltar, peço para te ligar.
- Pede sim, Beto.
- Tchau, dona Inês.
- Tchau, Beto. Fique com Deus.
- A senhora também.


UMA SEMANA DEPOIS
- Pois é. Faz tempo mesmo.
- Tudo bem com você?
- Tudo.
-...
- Queria te perguntar uma coisa.
- O que foi, Beto?
- O Jorge. Ele sumiu faz mais de uma semana. A princípio achei que estava na casa dos pais. Depois pensei que estava na casa... de alguém que ele tenha conhecido. Mas até agora não voltou. Isso nunca aconteceu. Você o conhece. Ele jamais sumiria sem avisar.
- Ele me ligou.
- Quando?
- Na quarta. Não. Quinta.
- Falou onde estava? O que queria?
- Estava bêbado. Ligou de madrugada. Disse que eu não prestava. Mas que queria se encontrar comigo mesmo assim.
- Ele sempre te amou.
- Sim.
- Mas falou onde estava?
- Não. Eu disse que não podia encontrá-lo porque tinha alguém na minha cama esperando. Ele desligou.
- E tinha?
- Não. Só estava puta com ele.
- Nunca entendi vocês dois.
- Eu também não.
- Bom, se voltar a te ligar, tente saber onde ele está.
- Sim. Me avisa também se tiver alguma novidade.
- Claro. Beijo, Marisa.
- Beijo.


MAIS DE DOIS MESES DEPOIS
- Um pouco.
- O que anda fazendo da vida?
- Continuo trabalhando naquela editora.
- Ainda?
- Ainda. E você?
- Abri uma agência de social media.
- Caralho, todo mundo está trabalhando com essa porra.
- Só um minuto... desculpa. Era da agência. Preciso ir.
- Claro. Vai lá.
- Precisamos marcar algo. Você, o Jorge e eu. Aliás, como ele está? Continua morando com você? Que cara é essa?
- O Jorge sumiu. Há quase três meses que ninguém tem notícia dele.
- Que merda, cara.
- Sim, é foda. Mas o mais foda é que já estou me acostumando com isso. Às vezes até me esqueço. Acho que só não esqueço de vez porque a dona Inês me liga todo dia para perguntar dele.
- Porra, que foda.
- Foda.
- Foda mesmo.


NOVE MESES E TRÊS DIAS DEPOIS
- Alô.
-...
- Alô.
-...
- Quem é?
-...
- Alô.
-...


ONZE ANOS DEPOIS
- Esses são Pedro e Lucas.
- Parecem com o pai.
- Obrigada.
- Desculpa, Marisa. Mas é verdade. A boca, o queixo. Os olhos também.


NOVE ANOS ANTES
- Que tal marcar aquele almoço no sábado?
- Fechado.


UM MÊS DEPOIS
- Vou me casar com a Marisa.
- Sério?
- Sim.
- Cara, meus parabéns. Tô realmente feliz.
- Valeu. Mas tem uma coisa, Evandro.
- O que foi? Fala logo, Beto.
- Quero que você seja um dos padrinhos.


TREZE ANOS, DOIS MESES E SETE DIAS DEPOIS
- Dona Inês morreu ontem.
- Coitada.
- Falência dos órgãos.
- Como você soube?
- Jorge me ligou.
- Jorge?
- Sim.
- Mas...
- Ele voltou. Vem nos visitar. Domingo.


ALGUMAS HORAS ANTES
- Alô!
- Tô ligando para cobrar as bolinhas de gude que você me deve há mais de 20 anos.
- Jorge!

2 comentários:

.raphael. disse...

mas gostei mais dessa segunda parte! Achei o final estupendo!

Aline Nascimento disse...

Você manda muito bem, moleque!
=