“Caderno de anotações” *, de Francisco Piñera Villalba

Voltando do trabalho, encontrei um pequeno caderno de anotações no chão do trem. Em meio à multidão, me chamou a atenção por ser parecido com o que tenho. Esperei todos saírem. Como ninguém havia reparado ou se tinha não fez questão, decidi pegar o pequeno caderno preto de elástico vermelho. Nele apenas um nome, Roberto Oliviedo, e três páginas com o que pareceu ser o começo de um conto. O desejo de ler foi imediato. Porém, logo que comecei, fui pego por uma vertigem. Guardei na mochila. Em casa, li o que me pareceu ser uma assombração. O texto poderia ter sido escrito por mim. Eu estava naquele texto. Me reconheci. Inclusive o fato de ter encontrado aquela mulher, tenho certeza, a mesma do conto, dias atrás, aquela mulher, eu a tinha visto, tenho certeza. Coincidência ou não, utilizo o texto de Oliviedo para contar o que senti ao ver o olhar daquela mulher.


Um rosto caído. A imagem clássica. A menina sozinha. A sala imensa. Toda branca. O ar, frio. Ela está descalça. Veste a roupa que lhe dei, já não me lembro quando. Ontem?

Busco seu olhar. Sigo-o. Ela olha para o chão. Nunca para mim. Perco a noção de tempo e espaço. Até que percebo algo em suas mãos. Estão molhadas. Fecham e voltam a se abrir, começando pelo mindinho, até chegar ao polegar. Repete o movimento. Vejo surgir o papel. Amassado.

Com medo, permito-me a aproximar. Ela levanta a cabeça. Arregala os olhos. Assustada, foge. Eu fico. O papel que estava em suas mãos também. Uma carta. Meu nome nela. Dentro, uma foto. É a reprodução exata da imagem. O rosto caído da menina, sozinha, no imenso quarto branco.

Agora a reconheço. Ela. A vi outro dia no trem. A mesma que convidei para um café. E aceitou. A mesma que me contou sobre sua vida, seus planos. Ela que acredita em felicidade, lê horóscopos e pratica natação.

Carrega em sua bolsa uma caixinha de música. Ganhou da avó. Lembrança do sonho de infância. Ser bailarina. Balé clássico. Mas o tempo passou. Ela cresceu.

Hoje, só pensa em não perder o emprego. Trabalha na área de Recursos Humanos de uma multinacional. Quer se promovida. Quer ganhar dinheiro. Quer ter seu próprio negócio. Uma loja, pequena, simples, só dela, onde possa vender as “roupinhas” que faz, desde os 16.



*O conto Caderno de Anotações está no livro Los Sueños, de Francisco Piñera Villalba. Pouco conhecido em seu país, o escritor argentino não tem nenhum livro lançado no Brasil. Publico aqui esse conto sem sua autorização, espero que ele não se importe.