Noites boas

Lanço o catarro no espaço. Penso na última vez que estive com minha mãe. Ela sempre preocupada comigo. Sempre preocupada com todos. Nunca com ela. Passos rápidos. Nem vejo meu catarro tocar o chão. Passos rápidos. Já estou em outro lugar. Lanço o cigarro. Busco a respiração. “Olhe para os dois lados”, ela sempre dizia. A rua completamente vazia. Meu rosto colado ao chão, apesar da enorme distância que nos separa. Sinto o toque de sua mão em minha cabeça. O carinho. Seu sussurro ao pé do ouvido. A verdade é que sempre tive pena de minha mãe. E vejo que seu fantasma me acompanha. Talvez seja essa a história da nossa família. Perder em sonhos. Amar, em silêncio.

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Toda volta é humana. A permanência é sobrenatural. Esquecer, passar um branco. Não sou assim. Nem quero ser. Por isso, volto. Por isso, estou aqui. Por isso, escrevo. Por isso, tomo a liberdade de tentar entender a minha vida. Organizar jamais. Nunca! Apenas, entender.

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A orelha - mais bela do mundo, como dizia a etiqueta - permanece imóvel. Nem meus toques a fazem reagir. Será que morreu? Não sei se aguentarei a morte de mais um amigo. Outro dia tentou fugir. Corri atrás. Alcancei-a antes de tomar o elevador. Tentou latir. Ameaçou me morder. Expliquei minhas razões. E fiz uma promessa. Mantê-la na geladeira. Sua nova casa, mais colorida. Seus novos amigos, mais divertidos. Sua felicidade me fez inveja. Minha inveja a fez voltar ao congelador. Os tempos de tristeza voltaram e com ela minha antiga companheira. Calada, congelada, compreendia o que eu falava. Porém, hoje, ao voltar para casa, encontrei a orelha pendurado em um fio dental. A mais bela do mundo, como dizia a etiqueta, permanece agora congelada e imóvel. Por que o fim? Melhor assim. Ainda mais agora que arrumei um nariz poliglota, que adora filmes franceses e entende tudo de vinho e queijos. Já arrumei suas acomodações. Ele viverá no forno.

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“Sos mucho mejor que los demás.Todo el día pensando, pensando.Vos soñas con un barrio mejor y te quedaste mirando la nada.Amigo piedra, necesito que me ayudes con mi auto otra vez, para viajar a ese lugar nuevo.”
*El mato a un policia motorizado

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9 comentários:

Anônimo disse...

Notei que sua página anda um tanto desprovida de comentários. Ora, seu Belano, digo que é por que insiste em escrever, lindamente com as declarações mais escatológicas, de um jeito tão ensimesmado que não há quem se atreva a meter o bedelho. Seria como uma invasão. Mas, o que hei de fazer se suas palavras se meteram na minha cabeça e danaram a ecoar? Imagino que seja triste o fim dos que ficam presos na teia dos seus aforismos. Fiquei um tanto curiosa: de que alquimia diabólica o senhor Belano se vale para conseguir tal proeza? E como pode me mostrar pensamentos que já moravam em mim, desse jeito, como se fossem irrevogavelmente dele?

Anônimo disse...

Maria Fulana, o Belano é assim mesmo, desperta paixões, mas também ódio em alguns. Esta aparente indiferença na falta de comentários é nada mais que fruto das férias de janeiro, acredito eu. Assim como as atualizações mais frequentes, os leitores também se farão assíduos em breve.

Anônimo disse...

E quem sou eu para contestar o distinto senhor que tão bondosamente me prestou sua atenção? Que fique entre nós, Cezar, mas gosto da idéia de poucas pessoas comentando, me sinto mais à vontade. Pode até parecer egoísmo de minha parte, e desde já peço que não faça mau juízo de mim, o caso é que se a página fosse bem popular, com muitos comentários, tiraria as migalhas de coragem que me motivam a dedilhar o teclado. Só de imaginar muitas pessoas lendo esses meus pensamentos, fico aflita. Escrever para Belano é despertar parte de mim que dorme na maior parte do tempo. Lá no fundo, desejo que o senhor esteja enganado quando fala da assiduidade dos leitores, mas não criemos caso...

Anônimo disse...

Repensando a assiduidade deste espaço, cheguei a conclusão de que realmente é um local para poucos. Diante da descoberta, faço com você, Maria Fulana, que o comentário anterior realmente esteja equivocado e esta "mesa de bar" dos sentimentos mais profundas seja para poucos bebedoures.

Anônimo disse...

Erramos: bebedores.

Anônimo disse...

Confesso que tal convite muito me honra, mas como pode querer correr o risco de sorver as palavras de uma desconhecida, Cezar? De certo não imaginou a confusão. Pois saiba que meus sentimentos são desajustados, não sabem se portar, são criaturas marginais, não estão acostumados a ter atenção.

Anônimo disse...

Mas este é o risco da vida, Maria Fulana. Se não estivermos aqui para viver os sentimentos desajustados e marginais, não haverá graça alguma. Este anarquismo sentimental é essencial para continuar tocando a bola para a frente, naquilo que pode ser uma grave desobediência daquilo que é considerado comum de se sentir. É exatamente isto que deve merecer a atenção total. Já diriam alguns: o caminho é a desobediência!!!

Anônimo disse...

Então, que sirvam a primeira dose. Bebamos até cair!!!

Anônimo disse...

Saúde!!!